As empresas estão tentando resolver um novo dilema: como acompanhar o ritmo da inteligência artificial sem perder o controle do negócio. Nos últimos dois anos, a adoção da IA generativa deixou de ser um experimento e passou a pressionar a estratégia. O que antes era discutido em fóruns de inovação agora aparece nas reuniões de orçamento, no comitê de risco e nos planos de eficiência.

A boa notícia é que os dados começaram a desenhar um novo mapa. E o que eles mostram é mais promissor (e mais desafiador) do que os executivos talvez gostariam de admitir.



Em um estudo recente, a KPMG analisou mais de 17 milhões de empresas em todo o mundo para quantificar quanto a GenAI pode agregar em valor de negócio. O número que aparece no alto da planilha é eloquente: até 18% de aumento no EBITDA anual, considerando apenas ganhos com produtividade de trabalho.





Esse impacto não vem de um único produto ou ferramenta, mas de uma reorganização do tempo. A IA assume parte das tarefas repetitivas, enquanto os profissionais liberam espaço para resolver problemas, tomar decisões e gerar receita. E isso muda tudo: margens, prazos, modelos de atendimento, formas de contratar.

O desafio? Mais da metade desse valor está escondido em tarefas de alta complexidade, que não se resolvem com copilotos plugados ao e-mail. São processos que exigem governança, dados estruturados e capacidade de reconfigurar fluxos inteiros. É aqui que as empresas começam a perceber que precisam mais do que uma IA que responde: elas precisam de um sistema de agentes que se movem.





Sistemas multiagentes são estruturas compostas por múltiplas inteligências artificiais que cooperam entre si, cada uma com uma função específica, busca, síntese, validação, execução, controle. É a partir desse modelo que os ganhos deixam de ser incrementais e começam a escalar. A IA para de atuar como assistente e passa a operar como orquestradora.

“A Inteligência Artificial tem avançado além da execução de comandos diretos, incorporando a capacidade de lidar com contextos diversos. Sistemas multiagentes (MAS) ilustram bem essa tendência: além de seguir processos definidos, podem tomar decisões com base em objetivos e percepções do ambiente, e adaptar seu comportamento com aprendizado de máquina. Implementar esses sistemas exige mais do que bom código”, afirma Caio de Melo, Head de Inovação da Mirante



A adoção disso ainda está em curso. Mas os sinais de que o mercado se movimenta estão por toda parte. O AI Index Report 2025, da Universidade de Stanford, mostra que o Brasil foi o segundo país do mundo com maior crescimento em contratações na área de IA em 2024. Superou inclusive Canadá, EUA e Reino Unido.





Esse dado não é sobre quantidade de vagas. É sobre movimento estratégico. As empresas brasileiras estão se posicionando para ocupar espaço na nova economia da IA. Não necessariamente com tecnologias proprietárias — mas com capacidade de uso, adaptação e aplicação no negócio real.

Outro sinal desse amadurecimento é o avanço no uso de IA generativa por áreas de negócio. A pesquisa de Stanford mostra que TI, Supply Chain, Marketing e Estratégia estão entre as funções mais impactadas pela GenAI. Não se trata apenas de automação: trata-se de reconfigurar a forma como decisões são tomadas, com mais contexto, mais velocidade e menos ruído.







O AI Index Report 2025 também mostra que a responsabilidade sobre IA nas organizações está mudando de lugar. Em um recorte sobre governança, mais de 750 empresas globais apontaram que as áreas técnicas vêm assumindo protagonismo direto: 21% colocam a governança de IA nas mãos das equipes de cibersegurança, privacidade e fraude, enquanto 17% atribuíram esse papel a times de dados e analytics.





Esse deslocamento não é trivial. Ele sinaliza que CTOs, CIOs e heads de dados não estão mais cuidando apenas da infraestrutura, estão redesenhando o modelo de operação. São eles que precisam garantir que os agentes inteligentes atuem com contexto, em cima de dados reais, e com segurança. Eles também estão na linha de frente das discussões sobre interoperabilidade, arquitetura de prompts, e políticas de confiança.





“Exige comunicação clara, ambiente seguro e um RH que esteja presente nas decisões, ajudando a traduzir a mudança em algo aplicável, compreensível e coerente com a cultura”, completa Fernanda Rocha, Head de Pessoas da Mirante

É um papel menos técnico e mais estratégico. Um CTO hoje precisa orquestrar agentes tanto quanto orquestra serviços. A tomada de decisão sobre IA, o que adotar, como testar, quando escalar, deixou de ser periférica. Está no centro do que define o futuro competitivo de uma organização.





Mas tudo isso só gera resultado quando a organização consegue escalar. E a escalada depende de maturidade. A mesma KPMG sugere uma estrutura simples e direta: três fases, Enable, Embed e Evolve. Primeiro, preparar a base técnica, educar as pessoas, definir as diretrizes. Depois, incorporar a IA aos fluxos, transformar produtos, redesenhar jornadas. Por fim, evoluir o modelo de negócio com IA no centro da estratégia.





Essa jornada é menos sobre tecnologia e mais sobre cultura, arquitetura e liderança. O que está em jogo não é adotar IA, mas fazer com que ela produza valor contínuo. E isso exige lidar com os verdadeiros obstáculos do caminho: dados desalinhados, processos fragmentados, equipes resistentes ou despreparadas.

É por isso que quem sai na frente agora não é quem tem o maior orçamento, mas quem consegue articular tecnologia, pessoas e negócio em torno de um plano coerente. Isso inclui a adoção de agentes inteligentes, mas também a criação de estruturas de confiança, ética e requalificação interna.

A corrida já começou. E, nesse contexto, a IA deixou de ser apenas mais uma inovação. Ela se tornou o novo padrão competitivo.